domingo, 4 de setembro de 2011

NUTRIÇÃO E CANCER

NUTRIÇÃO E CÂNCER: POSSÍVEIS INTERVENÇÕES

A perda de peso é um dos sintomas clínicos mais marcantes em pacientes com câncer. Essa diminuição de peso corporal, principalmente de massa gorda (tecido adiposo branco) e de massa magra (tecido muscular esquelético), até a década de 80 era atribuída à anorexia (induzida por fatores produzidos pelo tumor) e ao aumento do gasto energético. No entanto, a administração de suplementos nutricionais enteral ou parenteralmente não reverte esses sintomas (Bruera & Sweeney, 2000), refutando, dessa forma, a hipótese de que a deficiência de nutrientes é o agente causador da caquexia associada ao câncer.
A síndrome da caquexia é um estado metabólico que apresenta como características, anorexia, perda de peso, astenia, anemia, anormalidades do metabolismo intermediário que incluem uma utilização incomum dos substratos energéticos pelo organismo, prejuízo na absorção intestinal, balanço nitrogenado e calórico negativos, degradação de proteínas teciduais, perda de água e eletrólitos e uma consequente degeneração do organismo do paciente (ARGILES et al, 1997; SEELAENDER et al., 1999). Durante o final da década de 80 e início da década de 90, a caquexia foi atualizada a partir de um novo prisma, formulando-se uma nova concepção da mesma, como uma síndrome inflamatória crônica. Atualmente, acredita-se que fatores produzidos pelo tumor e pelo hospedeiro induzem a anorexia e as alterações metabólicas que resultam neste quadro (Bruera & Sweeney, 2000; Tisdale, 2003). Acerca disto, diversos grupos de estudiosos vêm examinando diferentes estratégias nutricionais no intuito de averiguar os potenciais efeitos dos suplementos no tratamento desta síndrome em modelo animal e humano.
Aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs) são componentes essenciais da dieta humana, uma vez que as enzimas responsáveis pela síntese dos mesmos não são produzidas pelo nosso organismo. Precisamos ingeri-las (Mero 1999). Estes constituem cerca de 1/3 das proteínas musculares e apresentam em sua cadeia lateral uma estrutura ramificada, a qual confere aos BCAAs estrutura e função diferenciadas. Estudos conduzidos por Ventrucci et al (2001), examinaram os efeitos da suplementação com leucina (a 3%) em animais portadores do tumor de Walker-256 e realizaram ensaios com o músculo esquelético (gastrocnêmio) a fim de elucidar o mecanismo de catabolismo tecidual que ocorre durante o processo da caquexia. Conforme esperado, os grupos que portavam o tumor apresentaram aumento da taxa de proteólise muscular e redução da taxa de síntese protéica muscular. Porém, o "grupo portador do tumor e tratado com dieta rica em leucina" apresentou aumento da síntese protéica e menor taxa de proteólise muscular quando comparado com o "grupo tumor não tratado com leucina". Corroborando tais resultados, Gomes-Marcondes et al (2003) observaram que a suplementação com a mesma dosagem do aminoácido em animais portadores da doença retardou a taxa de crescimento do tumor e preservou o conteúdo de miosina muscular em relação ao grupo portador que não foi suplementado com a substância. Os autores especularam que a leucina pode ter ação direta e/ou indireta sobre mecanismos que controlam estimulando a síntese e/ou inibindo o processo de oxidação protéica no músculo esquelético.
Em outro estudo, Eley et al (2007) examinaram os efeitos do tumor MAC 16 em camundongos, sobre a síntese protéica na musculatura do gastrocnêmio, e o possível efeito protetor dos BCAAs (1g/kg de peso corporal). A suplementação com BCAA causou uma supressão significativa na perda de peso corporal em ratos caquéticos, preservando significativamente o peso do músculo esquelético, através do aumento na síntese protéica e diminuição da degradação.
Em seres humanos, encontra-se um cenário ainda controverso. Por exemplo, McNurlan et al. (1994), observaram em pacientes portadores de tumor colorretal, que a infusão de uma solução nutriente intravenosa induz maior aumento na síntese protéica muscular esquelética e tumoral do que a infusão da mesma mistura enriquecida com BCAAs. Por outro lado, Biolo et al. (2006), estudando pacientes portadores de câncer colorretal e cervical, observaram que a infusão de uma mistura isonitrogenada, porém enriquecida em aminoácidos de cadeia ramificada, oferece benefícios adicionais sobre a síntese protéica muscular, observação que foi corroborada em um recente estudo conduzido por Sun et al. (2008), porém em pacientes desnutridos portadores de câncer gastrointestinal.
Coletivamente, estes dados sugerem benefícios da suplementação de aminoácidos sobre a síntese protéica muscular, também em humanos. Entretanto, a diversidade de concentração nas doses utilizadas, e dos diferentes tipos de câncer estudados, dificultam conclusões definitivas sobre o tópico.


REFERÊNCIAS:
BRUERA E SWEENEY C. Cachexia And Asthenia In Cancer Patients. Lancet Oncol. 1:138-47. 2000 Nov.
TISDALE MJ. Pathogenesis Of Cancer Cachexia. J Support Oncol. 1(3):159-68. 2003 Sep-Oct.
MERO A. Leucine supplementation and intensive training. Sports Med. 27(6):347-58. 1999 Jun.
VENTRUCCI G., MELLO MA., GOMES-MARCONDES MC. Effect of a leucine-supplemented diet on body composition changes in pregnant rats bearing Walker 256 tumor. Braz J Med Biol Res. 34(3):333-8. 2001.
GOMES-MARCONDES MC., VENTRUCCI G., TOLEDO MT., CURY L., COOPER JC. A leucine-supplemented diet improved protein content of skeletal muscle in young tumor-bearing rats. Braz J Med Biol Res. 2003. 36(11):1589-94. Epub 2003 Oct 22. ELEY HL., RUSSEL ST., TISDALE MJ., Effect of branched-chain amino acids on muscle atrophy in cancer cachexia. Biochem J. 407(1):113-20. 2007.
MCNURLAN MA., HEYS SD., PARK KG., BROOM J., BROWN DS., EREMIN O., GARLICK PJ., Tumour and host tissue responses to branched-chain amino acid supplementation of patients with cancer. Clin Sci (Lond). 86(3):339-45. Mar 1994.
BIOLO G., DE CICCO M., DAL MAS V., LORENZON S., ANTONIONE R., CIOCCHI B., BARAZZONI R., ZANETTI M., DORE F., GUARNIERI G. Response of muscle protein and glutamine kinetics to branched-chain-enriched amino acids in intensive care patients after radical cancer surgery. Nutrition. 22(5):475-82. May 2006.
SUN LC., SHIH YL., LU CY., HSIEH JS., CHUANG JF., CHEN FM., MA CJ., WANG JY. Randomized, controlled study of branched chain amino acid-enriched total parenteral nutrition in malnourished patients with gastrointestinal cancer undergoing surgery. Am Surg. 74(3):237-42. 2008 Mar.

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